No dia 17 de abril, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade, que é constitucional o uso de trajes religiosos em fotos de documentos oficiais. A resolução partiu do julgamento de um caso de repercussão geral, de uma freira contra o Departamento de Trânsito do Estado do Paraná (Detran-PR). A religiosa fora impedida de utilizar seu hábito religioso em uma foto da Carteira Nacional de Habilitação (CNH); na foto da carteira anterior e de sua identidade, ela utilizava o traje.
A decisão trouxe à tona a questão da liberdade religiosa e sua influência no cotidiano das pessoas. Além de influenciar no trabalho e nos estudos, o direito à livre expressão religiosa pode alcançar demais aspectos da vida, inclusive básicos, como uma documentação.
A fim de entender detalhes do que uma decisão com essa pode significar, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) conversou sobre o tema com a advogada Stefanne Amorim Ortelan, encarregada de dados (DPO) e responsável pelas áreas de educação, responsabilidade civil e proteção de dados da sede sul-americana adventista. Ela é, também, membro da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). Stefanne participou de sustentação oral no STF durante o referido julgamento.
Relevância da decisão
Qual a importância da luta pela liberdade e respeito a hábitos e até vestimentas religiosas, como foi o caso do julgamento do qual você participou recentemente?
A luta pela liberdade é essencial para garantir que todos tenham o direito de praticar sua religião e expressar suas crenças de maneira autêntica. Isso inclui o direito de se vestir de acordo com os seus preceitos religiosos. Respeitar hábitos e vestimentas religiosas é parte fundamental do respeito à liberdade religiosa e à diversidade cultural.
Quando as pessoas são livres para seguir suas convicções religiosas e usar vestimentas que refletem suas crenças, isso promove a tolerância, o entendimento e a harmonia entre diferentes grupos religiosos e culturais em uma sociedade. Além disso, proteger essas liberdades individuais ajuda a garantir que ninguém seja discriminado ou marginalizado por causa de sua fé ou modo de vestir.
Acerca do hábito religioso ou vestimenta como o hijab, por exemplo, é um equívoco considerar um acessório. É uma parte da sua identidade. A pessoa já é reconhecida socialmente portando aquele hábito, e não o contrário.
Legislação brasileira
Você, como uma advogada cristã e adventista, considera que a legislação brasileira já tem avançado em relação à liberdade religiosa de maneira geral?
A legislação brasileira tem avançado em alguns aspectos relacionados à liberdade religiosa, mas também enfrenta desafios e retrocessos em outros. Desde a Constituição Brasileira de 1988, a liberdade religiosa já é garantida como um direito fundamental, protegendo os templos e o livre exercício de cultos religiosos e proibindo a intolerância religiosa.
A partir desta garantia constitucional, o judiciário foi largamente provocado e tomou decisões importantes em diversas pautas dentro da liberdade religiosa. Foi o caso do julgamento sobre os dias de guarda, por exemplo que, para mim foi de extrema relevância para garantir aos sabatistas o direito de prestar concurso público e participar do ENEM, bem como assistir aulas e exames que eram prestados aos sábados, em dias alternativos com os mesmos direitos dos demais participantes e alunos.
No entanto, ainda existem desafios e uma larga luta pela frente para assegurar, preservar e ampliar o direito à liberdade de consciência e de crença, coibir práticas discriminatórias e estimular o diálogo e garantir o pleno respeito e proteção desse direito fundamental para todos os cidadãos. Para isso, advogados especializados em defesa dos direitos civis atuam individual e coletivamente, já que a defesa da liberdade religiosa é uma pauta de todos.
Como advogada cristã, adventista do sétimo dia, atuando em parceria com a Anajure, participo como “amiga da corte” em um processo em que a parte interessada é uma irmã católica, ou seja, ainda que tenhamos religiões diferentes, nosso direito à liberdade de consciência e de crença é o mesmo e deve ser amplamente defendido, sem preferências.
Orientações
O que você recomenda para quem está se sentindo desrespeitado em relação aos seus direitos de liberdade religiosa, seja no trabalho, no ambiente educacional ou mesmo no universo digital?
É importante tomar medidas para eliminar o problema, mas de forma construtiva e eficaz. O primeiro passo é conhecer seus direitos e identificar se determinada abordagem é discriminatória.
A comunicação também é fundamental. Se possível, dialogue com a pessoa envolvida, seja no trabalho, no ambiente digital ou escolar. Expresse claramente suas preocupações e explique quais comportamentos estão afetando, violando sua liberdade religiosa ou de crença.
Caso não se sinta confortável abordando diretamente a situação, busque apoio de colegas de trabalho, professores, colegas de classe ou amigos que possam oferecer suporte moral e conselhos sobre como lidar com a situação ou alguém para interceder por você.
Se a situação persistir e não puder ser resolvida de maneira informal, considere reportar o caso às autoridades competentes. Isso pode incluir recursos humanos no local de trabalho, a administração da instituição educacional ou plataformas digitais relevantes.
Busque assistência legal e apoio comunitário. Se necessário, consulte um advogado especializado em direitos civis ou liberdade religiosa para orientação sobre suas opções legais. Busque também suporte com sua comunidade religiosa ou espiritual.
A situação no ambiente digital é um pouco mais complexa, pois pode envolver desconhecidos ou perfis falsos, então é importante denunciar a página, documentar (guardar as provas) e fazer uma denúncia formal na plataforma ou rede social. Caso persista, considere a judicialização.
É importante lembrar que você tem o direito de praticar sua religião livremente e ser tratado com respeito e dignidade em todas as áreas da vida. Não hesite em tomar medidas para proteger seus direitos e promover a igualdade e a justiça.