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Construindo pontes em uma era de muros

Publicada em: 18/07/2025 14:00 - Notícias Adventistas

Construindo pontes em uma era de muros

Como a liberdade religiosa favorece a missão da Igreja nos tempos atuais


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Liberdade religiosa garante que todos possam exercer sua fé em todo e qualquer lugar. (Foto: Shutterstock)

Voltei recentemente de uma viagem às margens do rio Tapajós, no oeste do Pará, visitando cidades como Santarém e Altamira. São lugares onde a Igreja Adventista do Sétimo Dia pulsa com força missionária, entre barcos, ruas de terra batida e gente que acredita que vale a pena viver com propósito. Fui ali para participar de seminários sobre liberdade religiosa, mas o que me impressionou mesmo foi ouvir. E o que ouvi não foram apenas histórias. Foram testemunhos sobre o que significa crer quando o mundo, às vezes, tenta impor o silêncio.

Vi um garoto de 16 anos dizendo que tentou explicar aos seus colegas de escola, com nervosismo e lucidez, por que não fazia provas e tarefas aos sábados. Ouvi uma mulher dizer que perdeu o emprego porque se recusou a participar de uma escala de trabalho em seu dia sagrado. Vi olhos brilhando diante da descoberta de leis que protegem o direito de crer — e de não crer. Mas acima de tudo, vi uma igreja que só pode existir porque a liberdade ainda respira, mesmo que com dificuldade.

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Foi ali, num banco de madeira improvisado, que me dei conta: liberdade religiosa é sobrevivência. E missão. Especialmente para uma igreja que ousa anunciar um evangelho eterno em um mundo que muda a cada notificação das redes sociais.

A liberdade religiosa pavimenta o caminho que leva a missão a transitar em cenários diversos. A Igreja Adventista do Sétimo Dia reconhece isso. Na segunda edição do Manual prático para diretores de liberdade religiosa, está escrito assim, no item sobre o sétimo marco referencial adventista para este direito: "E digo isto a vós outros que conheceis o tempo: já é hora de vos despertardes do sono; porque a nossa salvação está agora, mais perto do que quando no princípio cremos (Romanos 13:11). A liberdade religiosa assegura que a missão da pregação do evangelho seja cumprida. Onde não há liberdade religiosa a missão não avança". A urgência da missão encontra um aliado no direito à liberdade religiosa.

A liberdade não nos encontrou: fomos atrás dela

A Igreja Adventista nasceu em 1863, nos Estados Unidos, no meio de um furacão social: guerra civil, abolicionismo, renascimentos religiosos. Nossos pioneiros — Joseph Bates, Ellen White, John Byington — não eram apenas pregadores. Eram militantes por liberdade. Byington, primeiro presidente da Associação Geral (sede mundial) da Igreja Adventista, foi abolicionista ativo e ajudou escravos a fugir através da Railroad Underground, uma rota subterrânea que libertou muitos escravos. Bates também foi abolicionista. Ellen White, com sua pena profética, escreveu palavras que hoje soam como a responsabilidade da liberdade religiosa neste final dos tempos: “O Senhor ainda toca no coração dos reis e governadores em favor de Seu povo, e compete aos que estão tão profundamente interessados na questão da liberdade religiosa não dispensar quaisquer favores ou eximir-se do auxílio que Deus tem movido os homens a dar para o avanço de Sua causa” – Conselhos sobre Mordomia, 183.

E não era retórica apenas. Os pioneiros sabiam que uma mensagem que se propõe universal só pode ser transmitida onde a consciência é livre. Por isso, em 1889, os adventistas fundaram a National Religious Liberty Association, declarando: “Acreditamos que é o certo e é dever de todo homem adorar de acordo com os ditames de sua consciência”. E isso, como vimos, não era simplesmente um lema. Era estratégia missionária.

Sem liberdade, a missão não caminha — ela tropeça

É bonito dizer que a missão é global. Que estamos em 212 países. Que temos escolas, hospitais, editoras, universidades. Mas nada disso existiria se não houvesse liberdade religiosa nos bastidores. Nenhum sinal de rádio, nenhum programa de TV, nenhuma lição da Escola Sabatina atravessaria fronteiras se os governos fechassem os ouvidos e as portas. E a verdade é que isso está acontecendo agora.

Segundo o Pew Research Center, o número de países que assediam grupos religiosos aumentou consideravelmente. Em 2022, o assédio a grupos religiosos por governos ou atores sociais ocorreu em 192 dos 198 países e territórios pesquisados pelo estudo. Governos assediaram pessoas por suas crenças e práticas religiosas em 186 países. Grupos sociais ou indivíduos privados assediaram pessoas por causa de sua religião em 164 países, o mesmo número de 2021.

A violência também se destacou – física, verbal, patrimonial. Segundo as fontes do Pew Research Center, danos à propriedade ocorreram em 120 países (61%). Detenções foram relatadas em 93 países (47%) e agressões físicas em 89 países (45%). Deslocamentos devido a tensões ou violência religiosa ocorreram em 51 países (26%), enquanto assassinatos relacionados à religião foram relatados em 49 países (25%).

Você pode até dizer: “Mas a igreja continua.” Sim, continua. Mas a que custo? A missão não pode ser uma corrida de obstáculos permanente. Ela precisa de espaço, de segurança, de dignidade. E isso só acontece com liberdade.

Defender a liberdade religiosa é mais do que proteger a si mesmo. É proteger o outro.

Esse é o ponto cego de muitos cristãos. Acham que a liberdade serve apenas para garantir que o sábado seja respeitado. Que a pregação continue. Que nossos colégios funcionem. Mas liberdade religiosa, quando compreendida à luz do evangelho, não é um escudo ou um privilégio. É uma ponte.

Quando defendemos o direito de alguém crer diferente, estamos vivendo a essência do próprio Cristo — que chamou, mas nunca forçou. Que batia à porta, mas nunca arrombava. Que deixava o jovem rico partir sem negociar princípios. A liberdade é a pedagogia de Deus.

Se queremos ser fiéis à missão, precisamos ser intencionais na defesa da liberdade. Isso significa agir em três direções:

1. Diálogo público

Precisamos definir claramente o papel da Igreja na área de assuntos públicos. Dialogar com autoridades civis, ordem de advogados, jornalistas, professores, formadores de opinião, líderes religiosos. Precisamos explicar quem somos, por que guardamos o sábado, por que respeitamos todas as crenças. Não como quem exige, mas como quem propõe. Diálogo precisa ser um princípio na defesa da liberdade religiosa.

2. Defesa institucional

É hora de criar comissões de liberdade religiosa nas igrejas locais. Fortalecer os fóruns regionais de liberdade religiosa. Mobilizar advogados, líderes, anciãos e diretores de liberdade religiosa das igrejas, para conhecer e apoiar leis e projetos de lei que asseguram o direito à liberdade religiosa, como a Lei 13.796/2019, que propõe prestação alternativa para estudantes guardadores de dia sagrado, com base na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB). Ou o Projeto de Lei (PL) 3.346/2019, ainda em tramitação no Congresso Nacional, que propõe alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para assegurar adaptação razoável do horário de trabalho que permita prestação alternativa ao empregado e ao servidor público, em virtude de escusa de consciência, quando o seu dia de guarda religioso coincidir com os dias ou os turnos do exercício de atividades laborais. São iniciativas que precisamos ajudar a Igreja a entender sua relevância para os propósitos missionários. Ensinar aos membros sobre seus direitos. Formar gente preparada para o debate público. Missão sem estrutura é retórica.

3. Testemunho respeitoso

A verdade nunca foi arrogante. Sempre se revestiu de humildade e mansidão, ainda que plena de convicção da necessidade de ser partilhada. Com isso, o relacionamento de líderes adventistas com líderes de outras confissões deve ser uma realidade. Ellen White aconselhou: “Nossos pastores devem procurar aproximar-se dos pastores de outras denominações. Orai por estes homens e

com eles, por quem Cristo está fazendo intercessão. Pesa sobre eles solene responsabilidade. Como mensageiros de Cristo, cumpre-nos manifestar profundo e fervoroso interesse nestes pastores do rebanho” - Testemunhos Seletos, vol. 2, pág. 376. Isso é revolução: viver o que se crê sem atacar quem crê diferente.

Sem liberdade, a profecia se cumpre às pressas

Ellen White aconselha a aproveitar os tempos de liberdade e considera que haverá um tempo de tamanha divisão e polarização que a missão se realizará em contexto opressivamente adverso. Ela escreveu: “O trabalho que a igreja tem deixado de fazer em tempo de paz e prosperidade terá de realizar em terrível crise, sob as circunstâncias mais desanimadoras e difíceis. As advertências que a conformidade com o mundo tem silenciado ou retido, precisam ser dadas sob a mais feroz oposição dos inimigos da fé. E por aquele tempo a classe dos superficiais, conservadores, cuja influência tem retardado decididamente o progresso da obra, renunciará à fé e tomará sua posição com os francos inimigos dela, para os quais havia muito tendiam suas simpatias. Esses apóstatas hão de manifestar então a mais cruel inimizade, fazendo tudo quanto estiver ao seu alcance para oprimir e fazer mal a seus antigos irmãos e incitar indignação contra eles. Esse tempo se acha justamente diante de nós” – Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 164.

É fato que a janela está se estreitando. A liberdade que hoje usamos com moderação poderá, amanhã, ser arrancada de nossas mãos. E quando isso acontecer, só restará o testemunho de quem viveu com integridade — e não com medo.

Vivemos em tempos de princípios das dores, como diz Mateus 24. Mas a dor não deve paralisar a Igreja, e sim a despertar. Se queremos alcançar o mundo, precisamos garantir que ainda exista mundo onde a mensagem possa ser ouvida.

E isso começa com liberdade.

Liberdade para falar. Para crer. Para discordar. Para permanecer. Para ir. Para voltar.

É por isso que a liberdade religiosa não pode ser periférica em nossa missão. Ela é o chão onde a fé pisa. O oxigênio que mantém a mensagem viva. O espaço onde a profecia encontra audiência.

E se a liberdade está ameaçada, a missão também está

 
Para ser livre

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Para ser livre

Uma compreensão adventista sobre o direito à liberdade de religião e crença

Helio Carnassale é teólogo, mestre em Ciência das Religião, e foi diretor do departamento de Liberdade Religiosa da sede sul-americana adventista. Heron Santana é jornalista e diretor do departamento de Comunicação e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista para os Estados da Bahia e Sergipe.

 

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