Trabalho realizado pela Savepoint, do Centro Universitário Adventista de São Paulo, auxilia no estudo da Bíblia por meios lúdicos

A relação entre jogos e o desenvolvimento da vida cristã é sempre envolta em preocupações. Afinal de contas, jogos eletrônicos e mesmo os de tabuleiro podem ajudar as pessoas a conhecer mais sobre a Bíblia Sagrada e a ter algum tipo de benefício em sua jornada espiritual? A pergunta é instigante e a resposta é complexa. Mas a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) foi ouvir um dos lados envolvidos a respeito do tema, especialmente levando em consideração o aspecto evangelístico de iniciativas atuais.
Conversamos sobre os jogos de tabuleiro e sua contribuição no contexto adventista para o que se pode enquadrar em um trabalho diferenciado de evangelismo. O entrevistado é o professor Allan Macedo de Novaes. Ele é formado em Teologia, Jornalismo e Pedagogia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Especialista em Docência Universitária pela mesma instituição, também é mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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Novaes é pesquisador-visitante nas universidades Andrews, Notre Dame, Livre de Amsterdam e Ritsumeikan, onde esteve vinculado ao Centro de Estudos em Games, em Quioto, no Japão. É professor da Faculdade de Teologia, da Faculdade de Comunicação e Inovação, e da Faculdade de Ciências Médicas do UNASP. É, também, pró-reitor de pesquisa e desenvolvimento institucional da instituição. É um dos fundadores do projeto lúdico-evangelístico Savepoint. Possui dezenas de artigos, capítulos de livros e livros publicados.

Jogos x mundo religioso
O uso de jogos eletrônicos ou de tabuleiro divide opiniões entre as pessoas no mundo religioso cristão por conta do nível de influência, conteúdo e o medo de dependência e vício. O fato é que a cultura pop, que abrange também os jogos, faz parte da vida de muitas pessoas, principalmente crianças, adolescentes e jovens. Como a religião pode enxergar nesse ambiente de jogos uma oportunidade de evangelização?
A desconfiança dos cristãos em relação ao universo lúdico é milenar. Inicia-se com a condenação de jogos por algumas das primeiras comunidades cristãs gentílicas que pregavam uma vida mais ascética, passa por cristãos medievais pela crítica da associação dos jogos com o paganismo, e chega até o protestantismo com o banimento de jogos e apostas por Calvino e o combate do puritanismo contra o lazer tido como improdutivo. Esses são alguns exemplos de como a relação do cristianismo com o jogar tem sido complexa e conflituosa. Na realidade do adventismo do sétimo dia não é diferente.
No discurso de Ellen White, vemos a preocupação com a associação de certas práticas lúdicas com a vida boêmia e o vício. Contudo, isso não impediu a Igreja Adventista do Sétimo Dia de produzir seus próprios jogos, de temática bíblica e com propósito educativo. Em um estudo que realizei com um colega do UNASP, resgatamos a história da produção de jogos de tabuleiro e jogos de cartas de temática religiosa pela igreja.
Há uma história por trás disso, certo?
Sim. Essa produção começa na década de 1930, com jogos de cartas que ajudavam no letramento bíblico e educação religiosa de crianças e jovens. Nas décadas seguintes, os materiais de nossas editoras no exterior incentivavam o uso de jogos no sábado, como uma modalidade de recreação cristã. Dos anos 1980 em diante, além da continuidade dos jogos de tabuleiro e cartas, temos o início do desenvolvimento de jogos eletrônicos – para consoles e computadores – de forma pontual. Destaca-se aí o lançamento do jogo de perguntas e respostas bíblicas para dispositivos móveis, o Heroes, que se tornou o maior projeto evangelístico através dos games na Igreja Adventista em todo o mundo.
Uso em evangelização
Você poderia falar de exemplos práticos dessa evangelização no contexto adventista no Brasil atualmente? O que tem sido feito e com quais resultados?
Uma vez que a produção de jogos pela Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil não se desenvolveu como no exterior, certamente o projeto que merece destaque é o da Savepoint, criado no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Criado em 2023, procura integrar evangelismo, educação religiosa, pesquisa acadêmica e recreação cristã. O projeto possui quatro frentes de ação: ludoteca, game lab, selo editorial e espaço evangelístico. Como ludoteca, trabalha-se como um espaço com acervo de jogos de mesa especializado com temática bíblico-cristã, no qual alunos, professores e membros da comunidade podem jogar livremente, incluindo aos sábados.
Nossa equipe de monitores é preparada para explicar as regras do jogo aos visitantes, indicar os melhores títulos de acordo com o perfil do público e ficarem atentos a oportunidades missionárias no contato com os visitantes. Como game lab, nossos professores dos programas de pós-graduação em Teologia, Comunicação, Promoção da Saúde e Educação estudam como os jogos analógicos se relacionam com o ensino-aprendizagem, com a saúde mental, e a espiritualidade, entre outros temas.
Resultados
E quais os resultados práticos disso?
Como resultado, temos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), dissertações, artigos científicos e livros produzidos sobre a temática dos jogos no contexto religioso. A última publicação que fizemos foi o e-book gratuito Play and Save: missão e evangelismo na era dos games. Como selo editorial da Unaspress, a editora universitária do UNASP, a Savepoint produz seus próprios jogos religiosos. Já temos dois títulos: Excelência, um jogo sobre o Clube de Desbravadores, e Chronos, um jogo de cronologia bíblica em parceria com o Museu de Arqueologia Bíblica do UNASP.
Por fim, estamos expandindo a Savepoint para escolas e igrejas pelo Brasil e no exterior. Igrejas tem nos procurado para auxiliarmos na implantação de Espaços Savepoint para auxiliar no ministério com crianças, adolescentes e jovens, e, também, como forma de evangelismo na comunidade. O mesmo ocorre em escolas da rede de Educação Adventista, onde estamos ajudando na implantação de ludotecas especializadas em jogos bíblicos e educativos, que são usados pelos professores durante a semana para gamificação das aulas e no final de semana são espaços de missão e evangelismo que capelães e pastores podem utilizar em seus projetos missionários.
Espaços Savepoint também foram inaugurados em igrejas adventistas para comunidades brasileiras no Japão, em parceria com a União Japonesa. Recentemente, um artigo científico sobre a Savepoint foi publicado e relata como o projeto funciona e sua relação com a filosofia adventista de educação. Leia aqui.
Prejuízos dos jogos
Ao mesmo tempo, como você, na condição de pesquisador, vê os discursos baseados em alguns estudos que falam dos prejuízos psicológicos a pessoas associados aos jogos?
Atualmente, uma das principais áreas de estudos que se dedica à relação dos games com questões relacionadas à mente e ao comportamento chama-se Media Psychology. Estudos desse campo do saber demonstram, de fato, que fenômenos como a nomofobia, a ludopatia e outras questões relacionadas a saúde mental estão associadas à alta exposição a telas e a jogos digitais.
Por outro lado, esses estudos demonstram que as relações diretas e causais que se fazem entre games e violência, por exemplo, típicas de discursos populares, carecem de evidências comprobatórias. Logo, existem problemas reais associados aos jogos eletrônicos, mas também há muito exagero e pânico moral associado a essas questões. Isso se agravou especialmente após a o excesso de telas na pandemia e a da proibição recente do uso de celulares em ambiente escolar, estabelecida pela Lei Federal nº 15.100/2025. Por isso, é fundamental fazer diferença entre os jogos eletrônicos e os analógicos, sendo os últimos aqueles que são incentivados no projeto Savepoint.
Como mencionei anteriormente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem uma história na produção de jogos bíblicos em língua inglesa, e esperamos que projetos como o da Savepoint possam resgatar essa tradição e trazê-la ao Brasil. Diversos estudos na área de educação e psicologia demonstram que jogos de tabuleiro promovem diversos benefícios, como socialização, desenvolvimento de soft skills, aumento de motivação engajamento no processo de ensino-aprendizagem, entre outros. Nesse contexto geracional onde a cultura digital e sua lógica algorítmica levanta diversas preocupações, os jogos analógicos demonstram ser uma excelente oportunidade para resgatar os princípios de recreação e educação adventistas.
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